Responsáveis pelas obras necessitam de conhecimentos multidisciplinares
Por Sheyla M. B. Serra
Para atuar com eficiência na gestão do empreendimento, verificou-se ao longo dos anos uma modificação no perfil do responsável pela obra, que deixa de desempenhar funções essencialmente técnicas para atuar também na administração da produção no canteiro de obras. As empresas de construção passam, assim, a especificar necessidades gerenciais sobre o perfil do engenheiro civil, como desenvolver habilidades para melhorar a gestão das pessoas. É valorizada a importância de saber estabelecer um bom relacionamento humano, a capacidade de trabalhar em equipe e a existência de características pessoais do profissional que sirvam de bom exemplo aos colegas e subordinados, como ética, assiduidade, criatividade e sensatez.
O engenheiro deve considerar sua responsabilidade para resolver problemas típicos relacionados com a mão de obra no canteiro de obras, tais como: estimular a motivação, promover a capacitação e contribuir para tornar agradável e seguro o ambiente de trabalho.
Dessa forma, diante da crescente demanda de novas habilidades impetradas pela modernidade, as pessoas que fazem parte das organizações deixam de ser encaradas como meros recursos e passam a ser mais valorizadas. O conhecimento agregado passa a ser o diferencial para a administração de uma empresa e o desenvolvimento do conhecimento interno passa a ser um componente estratégico.
A empresa deve investir na capacitação e formação dos seus profissionais, sem o receio de perder os seus profissionais mais capacitados para a concorrência. Para manter seus operários, deve criar condições favoráveis de permanência dos mesmos na organização. Além disso, o capital humano, com o passar do tempo, tem o potencial de devolver ao empresário o investimento nele efetuado pelo aumento da produtividade.
Os administradores verificaram que são necessárias novas posturas das pessoas que desempenham cargos estratégicos. Os tradicionais chefes ou gerentes abrem espaço para a liderança e para o trabalho em equipes compromissadas com os objetivos organizacionais. As pessoas são reconhecidas como indivíduos, com valores e características que precisam ser respeitadas, e com necessidade de terem motivação para melhor desempenharem suas funções.
Infelizmente, muitos empresários ainda não têm a sensibilidade para dar o devido valor às pessoas. Isso se verifica em diversas indústrias, inclusive naquelas que são dependentes diretas da qualificação da mão de obra. Na construção civil, a mão de obra operária é um dos principais recursos e, por isso, deve merecer atenção especial. É necessário que essa conscientização alcance todos os níveis da empresa e todos os que se relacionam com eles. Apesar da reconhecida importância dos operários na construção civil, é escassa a bibliografia sobre a gestão de pessoas nesse setor.
ALGUNS ASPECTOS ESPECÍFICOS DA CONSTRUÇÃO
Outra situação importante a ser considerada é que com a desverticalização do negócio ou subcontratação de serviços – especializados ou não – passam a conviver dentro do mesmo ambiente empresarial, junto aos operários da construtora, os funcionários de outras empresas subcontratadas, os subempreiteiros, que também participam de forma efetiva para o sucesso do empreendimento. Por esse motivo, esses terceirizados merecem atenção especial na definição da política de gestão de pessoas da empresa contratante, pois os mesmos contribuem no estabelecimento do ambiente de trabalho.
Normalmente, os subempreiteiros podem apresentar problemas quanto à gestão de seus funcionários, que podem ser semelhantes aos apresentados pela empresa construtora. Nesse caso, é importante que os problemas comuns sejam sanados conjuntamente. Deve-se atentar também para os procedimentos de gestão de pessoas entre os diferentes níveis organizacionais, cargos e funções. Na construção civil, existem dois grandes blocos onde podem ser agrupados os funcionários: administração (escritório) e produção (canteiro de obras). Assim, os treinamentos devem ser direcionados para o público-alvo, respeitando as características dos cargos.
Dada a representatividade da mão de obra durante o processo construtivo, é natural considerar que grande parte das falhas que acontecem na construção é devida aos problemas de qualificação das pessoas. Normalmente, esses são os que geram mais perdas econômicas durante o processo produtivo. Por exemplo, um estudo verificou que os estilos gerenciais dos mestres de obras influenciam fortemente no trabalho, podendo gerar desestímulo e falhas na orientação técnica, como erros, retrabalhos e interrupções durante a execução do serviço. Os operários podem ser sentir também pouco valorizados quando os seus desempenhos não são apreciados ou não há sugestões de melhoria.
Para isso, ficou evidente no estudo desenvolvido que as empresas devem investir na qualificação dos mestres de obras, pois, além dos mesmos exercerem uma influência significativa sobre a qualidade de vida no trabalho, eles são a ponte entre a empresa e os operários.
Dessa forma, pode-se afirmar que atualmente a abordagem moderna de gestão exige que os profissionais da construção civil possuam conhecimentos cognitivos, habilidades gerenciais e atitudes que os capacitem para administrar eficientemente os recursos da produção, principalmente as pessoas.
Até a legislação brasileira que padroniza e alimenta os dados estatísticos referentes aos empregos já percebeu essa importância. Uma das mais interessantes publicações é a CBO (Classificação Brasileira de Ocupações) do Ministério do Trabalho e Emprego. Essa nova classificação foi revisada em 2002 e tem por finalidade a identificação das ocupações no mercado de trabalho, para fins classificatórios junto aos registros administrativos e domiciliares. Os efeitos de uniformização pretendida pela CBO são de ordem administrativa e reconhecem, nomeiam e codificam os títulos existentes, descrevendo competências pessoais e atividades envolvidas em cada ocupação.
O interessante dessa nova versão é que a estrutura proposta agrega os empregos por habilidades cognitivas comuns exigidas no exercício de um campo de trabalho ou campo profissional. Considerando-se como exemplo a ocupação de “engenheiro civil”, as competências pessoais atuais necessárias são: demonstrar criatividade, dinamismo, iniciativa, capacidade de decisão, cultivar visão global, demonstrar adaptabilidade, desenvolver visão espacial, evidenciar raciocínio lógico e desenvolver raciocínio matemático. As áreas de trabalho envolvem atividades tradicionais técnicas e outras mais gerenciais. Na parte técnica podem ser citadas: desenvolver projetos, planejar e orçar o empreendimento e pesquisar tecnologias, entre outras.
Na parte gerencial, a principal habilidade exigida é a comunicação – desenvolver expressão oral e escrita, desenvolver capacidade de negociação, desenvolver capacidade de liderança e trabalhar em equipe. Observa-se, assim, que os participantes dessa descrição na CBO, inclusive representantes das construtoras, ratificaram a mudança do perfil do engenheiro civil. Concluindo, para atender a essas novas exigências e melhorar a gestão de pessoas no canteiro, o engenheiro civil ou gerente da obra passa a necessitar de conhecimentos multidisciplinares da administração de empresas, psicologia do trabalho e engenharia de produção.
Diversos profissionais dessas áreas também passam a se especializar no setor da construção, identificando suas especificidades e criando estratégias direcionadas aos agentes envolvidos, dando destaque à gestão de pessoas. As empresas devem desenvolver programas de capacitação, contando com assessoria in company ou então inscrevendo seus profissionais em cursos externos. Outra estratégia importante é a inclusão de conteúdos de gestão de pessoas nas escolas de engenharia e tecnologia da construção, como forma de apresentar ao futuro profissional as prementes necessidades de sua profissão.
PROFA. DRA. SHEYLA M.B. SERRA, do departamento de Engenharia Civil e do programa de pós-graduação em Construção Civil da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos)